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Dicas para Talent Acquisition não abraçar árvore



Dinâmica do balão, dinâmica do abrigo subterrâneo... calma, campeã e campeão! A criatividade nos processos seletivos tem limites


O conceito de emprego mudou muito nos últimos anos e com ele, o sentido de carreira. Da mesma forma que, hoje, a ideia de trabalho não mais se associa a um emprego duradouro exercido dentro de uma organização, não mais se fala em carreira como a especialização de uma pessoa em uma profissão, ainda mais dentro de uma única organização.


As empresas também passaram a ser verdadeiras vitrines, com o advento do Glassdoor. no qual o candidato posta salários e como é trabalhar em determinada empresa. Boom! A casa caiu com a confidencialidade de remuneração e a alta exposição do Employer Branding, ou seja, a marca empregadora da organização. Facebook, Instagram, qualquer rede social pode significar a ruína da reputação da empresa e uma explosão de vergonha alheia quando o candidato decide contar sua péssima experiência com uma dinâmica esdrúxula.


Seleção que abraça árvore

A infeliz frase deveria ter sido enterrada junto com essa moda nos anos 90. A expressão viralizou devido as dinâmicas mirabolantes que RHs empolgados passaram a aplicar em processos seletivos, treinamentos e team buildings. Isso não foi enterrado, no entanto, porque ainda é comum.


Em seleção, as dinâmicas mais esdrúxulas foram imaginadas por recrutadores criativos, entre elas:

• A dinâmica do abrigo subterrâneo: os participantes devem decidir quais personagens entrarão no abrigo, pois o fim do mundo está próximo.

• Construir um projeto de carro e vender para um extraterrestre (Oi?)

• Construir aviões com papel

• Fazer recortes que te representem e colar numa cartolina


O recrutador deverá ser ainda mais criativo para conseguir fazer uma avaliação precisa e livre de vieses. Na dinâmica do abrigo subterrâneo, por exemplo, um dos personagens descritos (em uma frase) é inspirado em Hitler, entretanto, os candidatos não sabem disso.


Já ouvi muitos colegas que reprovam os candidatos que escolhem esse personagem. Seria essa uma avaliação justa e precisa?


Cuidado com essas dinâmicas, pois podem ser um verdadeiro tipo no pé do Employer Branding. Os candidatos raramente gostam dessas dinâmicas e podem facilmente postar nas redes sociais.

Que tal, ao invés de passar vergonha, criar um case baseado em problemas reais da empresa? De preferência, algo que esteja relacionado diretamente com a vaga. Há muito mais chances do candidato se engajar com esse tipo de atividade e ainda é mais fácil realizar a avaliação.


Profissionalizando Talent Acquisition

Para uma área se chamar de Talent Acquisition, deve ter um planejamento estratégico a fim de garantir a escolha dos melhores candidatos. Esse é o papel de TA: atrair e selecionar pessoas de alto potencial e performance alinhadas às competências e valores da organização. O tal do fit cultural.

Por isso, um modelo de TA deve ser cuidadosamente planejado lembrando-se sempre de que um planejamento bem executado garante, em boa parte das vezes, previsão dos fatos e tendências de mercado. Para fazer isso, não precisa reinventar a roda, não. Recorra ao clássico:


Em um dos meus livros de cabeceira, Benedito Pontes[1] elucida de maneira muito simples o fluxo geral de recrutamento & seleção, que é o núcleo da estratégia de TA (que incluir muitas outras coisas, como employer branding, onboarding, etc):


A demanda: da vaga. Aumento de quadro, substituição de alguém desligado ou que pediu demissão. Prever demandas não se trata de ter uma bola de cristal, mas sim de TA estar atenta aos objetivos estratégicos e antecipar algumas ações;


Descrição de cargo: deve-se conhecer profundamente todos os aspectos que compõem o cargo, o famoso job description, além de fatores como remuneração e range salarial, benefícios, etc;


Levantamento de perfil da posição: ou intake meeting. Serve para o profissional de TA não só garantir que entendeu a demanda, mas também garantir que o líder também entendeu a própria demanda (sic);


Recrutamento: "sistema de informação por meio do qual a empresa divulga oportunidades", já dizia Pontes lá em 2004, neste livro. Pode ser interno, externo ou misto;


Seleção: se no recrutamento é feito um funil para se criar uma long list de candidatos, na seleção são aplicadas análises para se chegar na short list, ou seja, os 3 alecrins dourados que o gestor(a) vai entrevistar.

Viu? Simples, né? Nem precisa gastar muito para fazer o arroz com feijão do Talent Acquisition.

Como as perguntas são comumente repetidas nas entrevistas, muitos candidatos – calejados de tantos processos – bolaram as respostas perfeitas, são os chamados “leões de entrevista”. Perguntas clichê como:


• Que animal você gostaria de ser?

• Quais são seus 3 pontos fortes e de desenvolvimento?

• Onde você se vê daqui 5 anos?


Basta dar um Google para descobrir gurus de entrevistas (que nunca foram headhunters na vida) dando dicas sobre como responder. São perguntas insossas com respostas ainda mais insossas. Você certamente ouvirá “águia” para a primeira pergunta; “perfeccionista demais e ansioso” como defeitos da segunda pergunta e “espero contribuir e crescer junto com a empresa” para a terceira.


Costumo dizer que se você não sabe o que fazer com a resposta, melhor não fazer a pergunta, pois provavelmente não servirá para nada. “Ah, águia. Anotado. Próxima pergunta”. Que tipo de viés de avaliação essa resposta pode trazer? “Uau, o candidato se compara com uma águia, portanto tem garra.”. Isso não é uma evidência, é uma inferência do recrutador e do gestor muito comum com esse tipo de pergunta tediosa.


A seleção por competências

O ano era 1973. David McClelland, psicólogo americano, passou a contestar o uso de testes de inteligência e aptidão defendendo que esses testes não conseguiam prever o sucesso em situações escolares e de trabalho, por não haver correlação entre o resultado do teste e o desempenho futuro. Seu icônico artigo32 destaca:

“NÓS SABEMOS QUE CORRELAÇÃO NÃO É IGUAL A CASUALIDADE, MAS CONTINUAMOS A ESQUECER ISSO.”

Fato é que o ser humano é um ser muito complexo e único. E ainda tem a grande vantagem de se superar, de persistir e de conseguir coisas inimagináveis. Além dos testes questionados por McClelland, os famosos testes de personalidade (vide MBTI, DISC, só falta usar horóscopo) passaram a ser utilizados em larga escala pelos RHs e líderes.


Essas avaliações possuem um viés magnético de rotulação. Basta utilizar como ferramenta de seleção para o RH e o líder passar a vê-los como verdade gravada na pedra. Esses testes têm o potencial de enfraquecer a visão do líder para avaliar e identificar pontos fortes e de desenvolvimento.


McClelland foi o primeiro, talvez, a defender avaliação baseada em competências e sua empresa de consultoria foi comprada pela Hay Group em 1984. Entende-se por Competências um conjunto de:


• Conhecimentos, “o saber”: formação acadêmica, conhecimentos técnicos e especialidades),

• Habilidades, “o saber fazer”: experiência, prática e domínio do conhecimento

• Atitudes, “o querer fazer”: emoções e ações expressos através do comportamento humano

• Valores, “o acreditar”: para colocar uma competência em prática, deve-se acreditar e estar alinhado a ela. Além disso, ética e moral passam a ser cada vez mais valorizadas pelas empresas.

• Entorno, “o ambiente”: o ambiente deve favorecer condições para se aplicar a competências


O Conceito CHA foi difundido por McClelland e aperfeiçoado com o “V” e o “E” pelo consultor de RH Eugenio Mussak[2].


A seleção por competências corrobora o WorkForce Planning ao permitir que o RH e a liderança consigam identificar competências para a demanda atual, mas também de olho nas oportunidades futuras na empresa. Definir potencial é um tema subjetivo, entretanto, uma entrevista por competências bem-feita consegue coletar as famosas evidências (fato e impacto), ou seja, o que ocorreu e qual foi o resultado. O conjunto de evidências consistente torna possível identificar se o candidato possui uma determinada competência desenvolvida ou se é um ponto de desenvolvimento. Assim, se isso for conectado ao WFP, é possível que a empresa atue de maneira estratégica desenvolvendo o potencial do novo empregado continuamente alimentando o pipeline da organização, ao invés de somente preencher uma vaga.


Uma entrevista por competências bem-feita leva em torno de uma hora e meia para ser realizada. Além disso, na entrevista por competências, devem ser utilizadas perguntas abertas e livres de vieses.


A clássica pergunta: “Você trabalha bem sob pressão?” Dá lugar a: “Me conte uma situação na qual você tenha trabalhado sob pressão. Como você reagiu?

As perguntas devem ser baseadas em competências específicas, por isso não vale perguntar o signo do candidato. Idealmente, ter uma lista de perguntas abertas para cada competência auxilia o recrutador e gestor a realizarem uma entrevista mais estruturada e a fazerem as mesmas perguntas para todos os candidatos, garantindo uma visão única do processo.

À propósito, deixar o candidato esperando não é legal e não faz parte da avaliação (“para saber se o candidato realmente quer a vaga”). Seja recrutador ou gestor, se programe para iniciar e terminar a entrevista no horário. Atrasar um compromisso é dizer, sem falar, que o seu tempo é mais importante do que o da outra pessoa. Não é.


Os famosos moedores de carne: Assessment Centers

Grandes empresas passaram a estruturar, para cargos críticos de alta hierarquia ou para necessidades específicas, os famosos Assessment Centers.


Se a entrevista por competências trouxe uma evolução na forma desestruturada de se avaliar candidatos, o Assessment Center virou o suprassumo de Talent Acquisition.

Imagine uma manhã (ou dia inteiro, ou dois dias, se a empresa for nível hard) na qual os candidatos finalistas são colocados em verdadeiros episódios do finado Reality Show “No Limite”. Não se trata somente de uma entrevista por competências: os candidatos são colocados à prova em role plays, ou seja, simulações realísticas de problemas e atividades comuns à posição avaliada.


Há empresas que até mesmo contratam atores para encarnar colaboradores difíceis para os quais o candidato deve dar um feedback negativo e pares que estão tumultuando em um importante projeto global, por exemplo. O role play é uma excelente forma de ter um retrato aproximado de como a pessoa irá reagir no dia a dia em situações de pressão da posição avaliada.


Não acabou: os candidatos também são avaliados em cases complexos de marketing, de produtos, de fechamento de fábricas... a imaginação corre solta. E são avaliados em bancada por diretores e gerentes, recrutadores e Business Partners de RH. Ao final, é feito uma avaliação colegiada baseada nas competências e é decidido o candidato finalista.


Como se tornar um ás da identificação de talentos?

Primeiro, se você tem pouca experiência com entrevistas, a melhor forma de conseguir é praticando. Se você não tiver vagas abertas, que tal bater um papo com o recrutador e pedir para fazer um shadowing em alguns processos? Ou seja, acompanhar e aprender com o recrutador? Segundo, se você for gestor, quando o recrutador já tiver entrevistado candidatos para a sua posição aberta e for o momento de você entrevistar o short-list, ou seja, os candidatos finalistas, conduza as entrevistas! Não deixe que o recrutador conduza, caso contrário você perde a oportunidade de praticar perguntas inteligentes. O recrutador, nessa altura, já terá entrevistado o candidato e às vezes conduz a etapa do gestor por este se sentir inseguro. O gestor acaba atuando como um mero espectador na entrevista pontuando um ou outro tema.


Se existe tanta coisa legal em Talent Acquisition, por qual motivo ainda há tantas áreas de Talent Acquisition abraçando árvore?

CULTURA, meus caros, CULTURA. Se ansiedade é o mal das pessoas deste século, no caso das empresas é a falta de change management adequado.


Falta de profissionais de TA qualificados, falta de formação e educação para esses profissionais, falta de networking e contato com boas práticas de mercado, líderes mal preparados para seus papéis, mas, acima de tudo, uma cultura empresarial - e não só do RH, já que a área não é uma entidade malígna, mas um departamento da empresa - que não tem uma estratégia de pessoas bem definida, que vê o RH como fritador de pastel. Sem change management, é praticamente impossível tratar desses problemas, o que impacta em todo o workforce planning da organização.


Talvez você não tenha força para mudar a cultura da sua organização como gostaria. Mas, seja você profissional de TA ou líder, comece com coisas simples. Estude os conceitos de TA, faça cursos de recrutamento & seleção, seleção por competências. Há mil e uma tecnologias, mas, ainda hoje, uma entrevista bem-feita vale por 1000 e mitiga contratar a pessoas errada para a cadeira errada.

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[1] PONTES, Benedito Rodrigues. Planejamento, Recrutamento & Seleção de Pessoal. 4° ed., São Paulo: LTr, 2004.

[2] https://www.eugeniomussak.com.br/2010/02/21/a-nova-competencia/


Caio Ianicelli Cruzeiro tem mais de 13 anos de experiência em Recursos Humanos. É também palestrante e coordenador de grupos de networking voltados para RH e executivos e atualmente é Gerente de Educação Corporativa em Product Supply LATAM do agronegócio da Bayer. É graduado em Administração, pós-graduado em Educação Corporativa pelo SENAC-SP e cursa MBA em Agronegócios pela Esalq-USP. É Prosci® Certified Change Management Practitioner e Agile Scrum Certified SFC™

Autor do livro "Talent Acquisition: a evolução do recrutamento & seleção tradicional" que pode ser adquirido aqui


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